E uma mulher que acalentava um bebê disse,
– Fale-nos de crianças…
E ele disse:
– Tuas crianças não são tuas crianças. Elas são os filhos da Vida que anseiam por si.
Elas vieram através de ti, mas não de ti, e a despeito de estarem contigo elas não te pertencem.
Tu podes dar-lhes teu amor, mas não teus pensamentos, pois elas têm seus próprios pensamentos. Tu podes hospedar seus corpos, mas não suas almas, pois suas almas habitam a casa do amanhã, que tu não podes visitar, mesmo em teus sonhos.
Tu podes empenhar-te para seres como elas, mas não tentes fazê-las serem como tu, pois a vida não caminha para trás nem coabita com o ontem.
Tu és o arco do qual as crianças, como flechas vivas, são impulsionadas. Arqueiro verde marca sobre a trajetória do infinito, a ele te dobra com seu poder para que tuas flechas sigam velozes e para longe.
Deixe que a flexão na mão do arqueiro seja para o contentamento e a felicidade; Pois assim como ele ama a flecha que voa, Ele ama também o arco que seja firme”.
“Fale-nos de crianças”, pede uma mulher que acalenta um bebê. E a resposta vem carregada de poesia e sabedoria: “Tuas crianças não são tuas crianças. Elas são os filhos da Vida que anseiam por si.” Essa passagem não é apenas um verso inspirado, mas uma reflexão profunda sobre o papel das crianças e o significado de educar, cuidar e conviver com elas.
Crianças representam o pulsar contínuo da existência, o que há de mais sublime e ao mesmo tempo desafiador para quem as acolhe no mundo. Como dizia o filósofo Khalil Gibran, citado na bela passagem, as crianças pertencem à Vida, não a nós. É uma ideia desconfortável para muitos, mas profundamente libertadora. Elas vêm através de nós, mas não são nossas no sentido de posse. São a materialização daquilo que nos conecta ao futuro, um futuro que não controlamos e, muitas vezes, nem compreendemos completamente.
O Paradoxo do Amor e da Autonomia
“Tu podes dar-lhes teu amor, mas não teus pensamentos, pois elas têm seus próprios pensamentos.” Amar é oferecer, não apropriar-se. Quando uma criança é acolhida, ela traz consigo o desconhecido: ideias, sonhos e perspectivas que não podem ser moldados por desejos alheios. A maior dádiva que os cuidadores podem oferecer não é uma réplica de si mesmos, mas a liberdade de serem únicos.
Esse amor que respeita a individualidade exige coragem. Coragem para aceitar que as crianças são livres para pensar, sentir e escolher. É desafiador permitir que sigam seus próprios caminhos, especialmente em um mundo onde o medo do erro ou do fracasso às vezes leva os adultos a tentar controlar e determinar cada passo.
A Flexibilidade do Arco e a Trajetória da Flecha
A metáfora do arco e da flecha é uma das imagens mais poderosas dessa reflexão. O arqueiro, que representa a Vida, confia no arco para lançar as flechas. E o arco, ao mesmo tempo firme e flexível, desempenha seu papel sem resistir ao movimento natural. Nós, enquanto cuidadores ou educadores, somos esse arco. Dobramos nossas vontades e desejos para impulsionar aqueles que amamos rumo ao infinito.
No entanto, essa flexibilidade não significa fraqueza ou ausência de valores. O arco precisa ser forte para sustentar a flecha em sua trajetória. Assim também, os adultos devem oferecer princípios sólidos, mas sem prender as crianças ao passado ou a expectativas ultrapassadas. Como bem lembra a metáfora, o amanhã que elas habitam é um lugar que nós jamais visitaremos. E justamente por isso, nossa missão é prepará-las para algo que nós mesmos não dominamos.
A Vida Não Caminha para Trás
Há, aqui, um convite à humildade. “A vida não caminha para trás nem coabita com o ontem.” Essa frase nos lembra que o papel das crianças é renovar o mundo, e não perpetuar exatamente o que conhecemos. É um lembrete de que a história é feita de ciclos: aquilo que ensinamos hoje poderá ser questionado amanhã, e isso é parte do progresso.
Aceitar que a vida segue em frente exige uma revisão constante de nossas próprias certezas. Como dizia Mário Sérgio Cortella, “a sabedoria não está em ter todas as respostas, mas em saber quando precisamos buscar novas perguntas”. As crianças nos desafiam a encontrar essas perguntas, muitas vezes com seus olhares curiosos e desarmantes.
A Alegria no Devir
“Deixe que a flexão na mão do arqueiro seja para o contentamento e a felicidade.” Esse é o propósito final de educar e cuidar: garantir que a jornada das crianças seja plena de significado. Quando nos dobramos à vida, seja como pais, professores ou tutores, fazemos isso não apenas pelo bem delas, mas também pelo nosso. Pois, assim como o arqueiro ama a flecha que voa, ele ama o arco que permite o voo.
Em uma sociedade muitas vezes marcada por pressões e comparações, é essencial resgatar a alegria do processo educativo. Educar não é preparar para competir, mas para viver de forma plena, com coragem para errar, acertar e continuar tentando.
Uma Reflexão para o Presente e o Futuro
Essa reflexão sobre crianças não se limita à relação entre pais e filhos. Ela extrapola para um entendimento mais amplo de nossa responsabilidade coletiva. Crianças são nosso legado, não no sentido de perpetuação, mas de transformação. Elas trazem o potencial de um mundo diferente, mais alinhado com suas próprias visões e esperanças.
Portanto, cabe a nós, enquanto sociedade, sermos os arcos que oferecem sustentação sem aprisionar. Flexíveis, firmes, amorosos e cheios de contentamento com o privilégio de impulsionar as flechas vivas do amanhã.