Temos uma cartilha de regras que criamos para viver. A partir delas, avaliamos a conduta das pessoas e a nossa.
Quando alguém infringe essas regras que temos como verdades absolutas, nós nos sentimos ofendidos, julgamos.
Quando somos nós mesmos que saímos e nos desviamos dessas regras, sentimos culpa e nos punimos.
Antes de se indispor com alguém ou consigo mesmo, faça uma análise das suas regras internas e avalie o que vale mais: o simples cumprimento delas ou ficar em paz com os demais e consigo mesmo?
Muitas vezes, as regras existem mesmo quando não servem mais.
A vida em sociedade exige que criemos padrões de conduta, um conjunto de regras – escritas ou não – que orientam nossas ações e moldam a forma como interagimos uns com os outros. Essas regras não surgem do acaso, mas são fruto da cultura, da educação e das experiências que acumulamos ao longo da vida. A partir delas, julgamos o que é certo ou errado, aceitável ou condenável.
No entanto, quantas dessas regras são, de fato, universais? Quantas delas seguimos apenas por hábito, sem questionar sua real utilidade? E, mais importante: o que acontece quando essas regras, que deveriam nos guiar, tornam-se prisões invisíveis que nos afastam da paz interior e dos relacionamentos saudáveis?
A Regra e o Juízo: O Tribunal Invisível da Vida Cotidiana
Desde cedo, somos ensinados a obedecer regras. Algumas são fundamentais para a convivência – respeitar o próximo, ser honesto, agir com ética. Outras, porém, são internalizadas sem uma análise crítica. Criamos um código próprio e, a partir dele, nos tornamos juízes implacáveis, tanto dos outros quanto de nós mesmos.
Se alguém age de maneira contrária ao que acreditamos ser o correto, nos sentimos ofendidos, julgamos, condenamos. “Como essa pessoa pôde fazer isso?” – nos perguntamos, como se estivéssemos diante de uma verdade absoluta e imutável. Mas será que estamos? Será que nosso código interno é um guia infalível ou apenas um reflexo daquilo que aprendemos sem questionar?
E quando somos nós que transgredimos nossas próprias regras? Quando falhamos em seguir aquilo que tanto cobramos dos outros? O julgamento se volta para dentro, e a culpa se instala. Nos tornamos réus e juízes de nós mesmos, muitas vezes aplicando sentenças desproporcionais.
A Culpa e o Autojulgamento: Prisões que Criamos
A culpa, quando bem dosada, tem sua função: ela nos alerta para erros, nos impulsiona ao aprendizado e nos convida à reflexão. Mas quando se torna um fardo insuportável, passa a ser um entrave. É como um juiz severo que não admite recursos, que não considera o contexto e que nos condena sem direito à defesa.
Quantas vezes nos punimos por algo que, em outra perspectiva, nem deveria ser considerado um erro? Quantas vezes carregamos culpas que não são verdadeiramente nossas, mas frutos de expectativas alheias que internalizamos?
Aqui, surge uma pergunta essencial: será que o simples cumprimento das regras é mais importante do que a paz de espírito? Será que vale a pena viver em um tribunal interno, onde o julgamento nunca cessa e a absolvição parece impossível?
O Peso das Regras que Já Não Servem
Muitas regras foram essenciais em algum momento da nossa vida, mas perderam o sentido com o tempo. No entanto, seguimos presos a elas, como se ainda tivessem validade. É o caso de pessoas que, mesmo depois de adultas, seguem padrões que foram impostos na infância sem questioná-los.
Se uma regra nos protegeu quando éramos crianças, mas hoje nos impede de crescer, faz sentido mantê-la? Se uma crença nos ajudou em determinado momento, mas hoje nos aprisiona, não deveríamos revisá-la?
A rigidez absoluta nos torna inflexíveis, e a inflexibilidade, muitas vezes, nos afasta da felicidade. Regras são importantes, mas precisam ser revisitadas. Precisamos nos perguntar: essa regra ainda faz sentido? Ela me torna uma pessoa melhor ou apenas me faz seguir um roteiro imposto por outros?
O Equilíbrio Entre Regras e Liberdade
A grande questão não é abandonar todas as regras, mas discernir entre aquelas que nos guiam para uma vida mais plena e aquelas que apenas nos limitam. Para isso, é necessário um exercício constante de autoconhecimento.
Antes de julgar alguém, questione-se: essa pessoa realmente fez algo errado ou apenas agiu de maneira diferente do que eu esperava? Antes de se punir por uma falha, reflita: eu realmente errei ou apenas não atendi a uma expectativa que já não faz mais sentido?
A liberdade não está na ausência de regras, mas na capacidade de escolhê-las com consciência. Quando compreendemos que não somos escravos das normas que criamos, passamos a viver de forma mais leve e autêntica.
Portanto, antes de se indispor com alguém ou consigo mesmo, faça um teste: revise suas regras internas. Algumas são inegociáveis, outras podem ser ajustadas e, muitas, talvez nem precise mais existir. O importante é que, ao final desse exercício, você perceba que o mais valioso não é simplesmente seguir um conjunto de normas, mas encontrar a harmonia entre o que acreditamos e o que realmente nos faz bem.
Afinal, como bem disse o poeta Fernando Pessoa: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena” – e isso inclui desapegar de regras que já não servem mais