Vós conversais quando deixais de estar em paz com vossos pensamentos.
E quando não podeis mais viver na solidão do vosso coração, procurais viver nos vossos lábios, e encontrais então uma diversão e um passatempo nas vibrações emitidas.
Em grande parte das vossas conversações, o pensamento é meio assassinado.
Pois o pensamento é uma ave do espaço que, numa gaiola de palavras, pode abrir as asas, mas não pode voar.
Há entre vós aqueles que procuram os faladores por medo da solidão.
A quietude da solidão revela-lhes seu Eu-desnudo, e eles preferem escapar-lhe.
E há aqueles que falam e, sem o saber ou prever, trazem uma verdade que eles próprios não compreendem.
E há aqueles que possuem a verdade dentro de si, mas não a expressam em palavras. No íntimo de tais pessoas o espírito habita num silêncio rítmico.
Em tempos de constante conectividade e comunicação ininterrupta, a reflexão sobre o silêncio e a conversa é um convite a revisitar a relação entre o pensamento, a palavra e a solitude. Como seres que anseiam por interação, muitas vezes nos tornamos reféns de um diálogo incessante, que nem sempre traduz o que de fato somos ou sentimos. Essa inquietação para preencher os espaços vazios com palavras pode revelar um desconforto mais profundo com aquilo que habita em nosso interior.
Conversar, sem dúvida, é uma das habilidades humanas mais valiosas. No entanto, como bem pontuado pelo filósofo Khalil Gibran, cujas ideias inspiram este texto, há um preço que pagamos ao dialogar de maneira superficial: o sacrifício parcial do pensamento. Em suas palavras poéticas, “o pensamento é uma ave do espaço que, numa gaiola de palavras, pode abrir as asas, mas não pode voar”. Que imagem mais rica para descrever como, ao tentar expressar ideias, limitamo-nos pelas fronteiras da linguagem.
O Medo do Silêncio
Há entre nós aqueles que buscam incessantemente a companhia de outros e se cercam de palavras, como se o silêncio fosse um abismo ameaçador. Para muitos, o silêncio pode trazer uma exposição desconfortável à própria essência, ao “Eu-desnudo”. É a vulnerabilidade de encarar aquilo que somos quando ninguém está olhando, quando nenhuma máscara é necessária. Assim, fugir da quietude é uma maneira de evitar essa confrontação interna.
Esse comportamento é exacerbado pela modernidade, onde o silêncio tornou-se quase um tabu. Os ruídos das notificações, as conversas rápidas e as redes sociais criaram um espaço em que parece haver pouco lugar para a reflexão solitária. Porém, como nos ensinam os sábios, é na quietude que o espírito encontra seu espaço para respirar. Não se trata de rejeitar a interação social, mas de lembrar que a capacidade de estar sozinho é também um exercício de autossuficiência emocional e espiritual.
Quando Falar Liberta
Por outro lado, também existem aqueles que, ao falar, liberam verdades que nem sequer compreendem. Esse é um fenômeno intrigante e profundamente humano. Muitas vezes, no fluxo de uma conversa, somos capazes de acessar e externalizar pensamentos que nem sabíamos possuir. Isso pode ser interpretado como uma manifestação inconsciente da nossa busca por sentido ou até mesmo como um toque do que alguns chamam de intuição.
Essas palavras “acidentais” que carregam sabedoria nos lembram de que nem toda fala é vazia. Às vezes, ao compartilhar nossas ideias, contribuímos para a construção de algo maior, algo que nos transcende. Porém, isso requer um estado de presença genuína, um desapego de superficialidades e, paradoxalmente, uma reconexão com o próprio silêncio.
O Silêncio como Habitação do Espírito
Finalmente, há os que possuem a verdade dentro de si, mas escolhem o silêncio como morada. Esse silêncio não é fruto do medo ou da ignorância, mas de um estado de harmonia com o próprio espírito. O filósofo Mário Sérgio Cortella frequentemente nos convida a refletir sobre a importância de “estar com”. Estar com o outro, com a comunidade, mas também estar consigo mesmo. Para essas pessoas, o silêncio não é vazio, mas pleno. Ele pulsa com um ritmo próprio, um “silêncio rítmico”, onde o espírito encontra paz.
Essa quietude interior não é sinônimo de passividade. Pelo contrário, ela é muitas vezes um estado ativo de contemplação e de sabedoria. É o silêncio que observa, que compreende e que, ao ser quebrado, só o é para expressar o essencial. O desafio para muitos de nós é reconhecer o valor dessa pausa, dessa ausência de ruído, que muitas vezes é mais eloquente do que qualquer palavra.
Encontrando Equilíbrio
Se o silêncio é o espaço onde o espírito repousa, e a fala é o meio pelo qual nos conectamos, como equilibrar essas duas dimensões? A resposta pode estar na intenção. Falar deve ser um ato consciente, um esforço para criar sentido, para partilhar experiências ou mesmo para dar conforto. O silêncio, por sua vez, deve ser cultivado como um lugar de refúgio e de autodescoberta.
Cultivar o silêncio em um mundo barulhento é um ato de resistência. É afirmar que não precisamos estar sempre disponíveis, sempre respondendo, sempre interagindo. O silêncio nos dá a oportunidade de reorganizar pensamentos, de aprofundar conexões e, acima de tudo, de ouvir. Ouvir o outro, ouvir o mundo ao nosso redor, mas, principalmente, ouvir a nós mesmos.
A reflexão sobre o silêncio e a palavra nos convida a uma prática de equilíbrio e de atenção. Conversar, quando feito com presença e propósito, pode ser um ato libertador e profundamente humano. Mas é no silêncio que encontramos o alicerce para que nossas palavras tenham significado. Como bem disse Khalil Gibran, “a quietude da solidão revela-lhes seu Eu-desnudo”. Talvez seja exatamente esse desnudar-se que precisamos aceitar, para então nos vestir de palavras que realmente importam.